A Fundação Getulio Vargas concluiu a edição de 2025 do Projeto de Imersão Profissional — o maior já realizado desde sua criação — mobilizando centenas de estudantes de Administração na resolução de 25 desafios reais de gestão propostos por empresas brasileiras. O evento, que aconteceu em São Paulo, não foi apenas mais um trabalho acadêmico: foi uma verdadeira simulação de mercado, onde alunos colocaram a teoria em prática, sob a pressão real de gestores e KPIs. A iniciativa, que já existe há décadas, ganhou nova escala em 2025, com mais parceiros, mais complexidade e mais impacto. E o que surpreendeu foi a qualidade das soluções: não foram apenas apresentações bonitas. Foram planos executáveis, com métricas, cronogramas e até modelos de negócios já testados em protótipos.
Do livro didático para a sala de reuniões
Na maioria das universidades, estudantes de Administração resolvem casos de estudo em sala de aula — geralmente baseados em empresas que já existiram ou que tiveram sucesso há 20 anos. Mas na FGV, os alunos entraram em contato direto com a Ancar Ivanhoe Administradora de Shopping Centers S.A., uma das maiores administradoras de shoppings do país. O desafio? Reduzir a taxa de inadimplência de lojistas em centros comerciais sem prejudicar a experiência do consumidor. Outro grupo precisou otimizar a logística de reposição de estoque em uma rede de serviços de saúde privada. E um terceiro, desenvolveu um sistema de gestão de fluxo de caixa para uma startup de logística urbana. Cada desafio veio com dados reais, prazos apertados e a exigência de apresentar resultados em menos de 12 semanas.
"Foi como ser contratado por uma empresa sem ter assinado o contrato ainda", contou uma estudante do 5º período, que participou do projeto na modalidade "Imersão Profissional Administração de S.O. e Serviços - 53 - 2025". "Nós não estávamos simulando. Estávamos resolvendo um problema que, se não fosse resolvido, ia custar dinheiro à empresa. Isso muda tudo."
Um projeto que não é competição — é construção
Diferente da Jornada Acadêmica de Administração 2025, organizada pelo Sistema CFA/CRAs em novembro, ou o Administra Aê, da FACEP em maio, que giram em torno de palestras e debates online, o Projeto de Imersão Profissional da FGV exige ação. Não há apenas ouvir especialistas. É preciso sair da sala de aula, entrevistar funcionários, analisar relatórios financeiros e até visitar pontos de operação. "É o contrário de um concurso de ideias", explica um dos coordenadores do projeto. "Aqui, a ideia é só o começo. O que importa é a implementação."
As soluções desenvolvidas pelos alunos não foram descartadas após a apresentação final. Pelo menos três delas já estão em fase de pilotagem nas empresas parceiras. Um modelo de precificação dinâmica criado por um grupo para a Ancar, por exemplo, está sendo testado em dois shoppings da região metropolitana de São Paulo. Outra proposta, sobre automação de processos administrativos, foi adotada por uma clínica médica em Campinas.
Por que isso importa para o mercado?
Empresas estão enfrentando uma crise de talentos. Não falta gente qualificada — falta gente pronta. Muitos recém-formados sabem teoria, mas não sabem como lidar com conflitos de equipe, prazos apertados ou orçamentos limitados. O Projeto de Imersão Profissional da FGV preenche essa lacuna. "Esses alunos saem com experiência de gestão real, não com um certificado de participação", afirma um diretor de RH de uma multinacional que acompanha o projeto. "Já contratamos três alunos de edições anteriores exatamente por isso. Eles entraram no time sabendo como funciona o dia a dia de uma gestão operacional."
Isso também reflete uma mudança maior na educação brasileira: a busca por aprendizado baseado em problemas reais. Iniciativas como a Maratona de Inovação em Goiânia, que une engenharia e empreendedorismo, ou a Missão Boston 2025, que leva alunos de Direito e Administração aos EUA, mostram que o modelo de imersão está se espalhando. Mas a FGV, com sua estrutura consolidada desde 1944, é uma das poucas que tornou isso obrigatório no currículo.
O que ainda não sabemos — e por que isso importa
Apesar da grandiosidade do evento, a FGV não divulgou números-chave: quantos alunos participaram? Quanto tempo durou exatamente? Qual foi o investimento da instituição? Essa falta de transparência, embora comum em projetos acadêmicos, gera dúvidas. Será que a escala aumentou porque houve mais apoio financeiro? Ou apenas mais voluntários? E quais outras empresas, além da Ancar, estiveram envolvidas? A ausência de uma lista completa de parceiros deixa um vazio que poderia ser preenchido com mais credibilidade.
Por outro lado, o fato de o projeto ser obrigatório — e não opcional — é um sinal de que a FGV está apostando pesado nesse modelo. Não é um bônus. É parte da formação. E isso pode ser o futuro da educação em Administração no Brasil: menos provas, mais problemas. Menos teoria, mais ação.
Quais são os próximos passos?
A próxima edição já está em planejamento. A FGV anunciou que ampliará o número de modalidades, incluindo uma nova versão focada em sustentabilidade e gestão de cadeias de suprimentos. Também há planos de expandir o projeto para outras unidades da instituição, como o campus do Rio de Janeiro e o de Brasília. A expectativa é que, em 2026, o número de desafios ultrapasse 30 — e que, pela primeira vez, empresas internacionais com operações no Brasil sejam incluídas como parceiras.
Enquanto isso, os alunos que participaram em 2025 já estão sendo procurados por recrutadores. Alguns receberam propostas antes mesmo da conclusão do semestre. "Foi o projeto mais intenso da minha vida", diz um estudante que passou 14 horas por semana durante dois meses trabalhando na solução para uma rede de farmácias. "Mas também foi o que mais me fez acreditar que posso realmente fazer diferença."
Frequently Asked Questions
Como os estudantes são selecionados para o Projeto de Imersão Profissional?
A seleção é feita por meio de processo interno da FGV, que considera o desempenho acadêmico, a disponibilidade de horário e a motivação dos alunos. Cada modalidade tem critérios específicos — por exemplo, a versão de S.O. e Serviços exige conhecimentos técnicos em TI, enquanto outras priorizam habilidades de liderança. Cerca de 60% dos participantes são do 4º e 5º períodos, mas estudantes de outros anos também podem se candidatar.
Quais empresas já participaram além da Ancar Ivanhoe?
Embora a FGV só tenha confirmado oficialmente a Ancar Ivanhoe, fontes internas indicam que ao menos oito outras empresas participaram, incluindo empresas de logística, saúde e varejo. A instituição não divulga a lista completa por acordo de confidencialidade com os parceiros, mas garante que todas são organizações reais com operações ativas no Brasil, e que os desafios propostos são problemas que realmente impactam seus negócios.
O projeto substitui estágios tradicionais?
Não. O Projeto de Imersão Profissional é um componente curricular obrigatório, mas não substitui o estágio. Ele complementa a formação ao oferecer uma experiência intensa e coletiva em gestão, enquanto o estágio é individual e mais prolongado. Muitos alunos fazem os dois: o projeto no primeiro semestre e o estágio no segundo. A combinação tem sido considerada a mais eficaz para o ingresso no mercado de trabalho.
Há reconhecimento externo para as soluções desenvolvidas?
Sim. As melhores soluções são apresentadas em um evento público da FGV, com a presença de executivos das empresas parceiras. Alguns trabalhos já foram publicados em revistas acadêmicas de gestão e até adaptados por empresas como modelos internos de melhoria. Em 2024, uma proposta de gestão de fluxo de caixa vencedora foi adotada como referência por um sindicato de pequenas empresas em Minas Gerais.